O mero registro de boletim de ocorrência não supre a exigência legal de representação da vítima (artigo 171, parágrafo 5º, do Código Penal) para que os autores de estelionato sejam processados criminalmente. Com essa observação, o juiz Walter Luiz Esteves de Azevedo, da 5ª Vara Criminal de Santos (SP), declarou extinta a punibilidade de dois homens acusados do “golpe do presente de aniversário”.
“Os depoimentos das vítimas, colhidos no dia dos fatos (21 de agosto de 2022), em que não foi registrada representação, são insuficientes para afirmar o interesse delas na persecução penal”, anotou o juiz na sentença. Azevedo acrescentou que o delegado manteve novo contato com elas para formalizar essa condição de procedibilidade apenas no dia 1º de março de 2023, quando já havia se escoado o prazo de representação.
O prazo de representação é de seis meses e tem natureza decadencial, o que fulmina o direito de ação. Ele se findou em 20 de fevereiro de 2023 e motivou Azevedo a julgar extinta a punibilidade dos réus pela decadência, nos termos do artigo 107, inciso IV, do CP. A decisão acolheu preliminar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP), a despeito de manifestação contrária do Ministério Público.
“Nem se diga que o simples fato de as vítimas registrarem o boletim de ocorrência caracteriza representação tácita. A lei é expressa sobre a necessidade da representação formal, no prazo legal”, sustentou a defensora pública Tânia Cristina Oliveira dos Santos ao requerer, em preliminar, o reconhecimento da extinção da punibilidade dos acusados pela decadência. No mérito, ela pediu a improcedência da ação.
O promotor Éuver Rolim rebateu o argumento da defensora pública ao afirmar que não são exigidas “grandes formalidades” no ato de representação. Conforme o representante do MP, basta a manifestação inequívoca da vítima ou de quem a represente legalmente para que os fatos sejam devidamente apurados. “No caso dos autos, as vítimas, no mesmo dia em que ocorreram os fatos, registraram ocorrência policial e prestaram declarações”.
‘Taxa de entrega’
Segundo a denúncia, em circunstâncias que não ficaram esclarecidas, os réus souberam do aniversário de uma mulher no dia dos fatos. Eles se dirigiram ao edifício dela, no bairro do Gonzaga, para lhe entregar um perfume dado como “presente” por uma pessoa não identificada. Porém, por meio de cartão de débito, a aniversariante deveria pagar R$ 10 a título de “taxa de entrega”.
O filho da vítima inseriu o seu cartão na maquinha apresentada pelos réus, mas a transação não se consumou. Desconfiados, mãe e filho não repetiram a operação, recusaram-se a receber o presente e acionaram a Polícia Militar. Os acusados fugiram em um carro e foram detidos em outro bairro. Eles já eram conhecidos pela prática de golpes do gênero, nos quais são digitados valores bem acima daquele anunciado como taxa de entrega.
Fonte: Conjur / Eduardo Velozo Fuccia