Uma sucessão de falhas no reconhecimento fotográfico de um jovem negro condenado por roubo de carga no Rio de Janeiro levou o desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, do Superior Tribunal de Justiça, a declarar a nulidade do procedimento e das provas dele derivadas, com a consequente absolvição do réu.
Entre os problemas do reconhecimento, o relator citou divergências sobre como a identificação por foto teria ocorrido na fase de inquérito policial, além da hesitação da vítima para confirmar a identidade do réu durante a etapa judicial do processo.
“É inescapável concluir pela nulidade do reconhecimento fotográfico levado a efeito, por inobservância do disposto no artigo 226 do Código de Processo Penal, que traz os requisitos mínimos de validade para o procedimento, o qual, outrossim, em se tratando de ato irrepetível, resta imprestável nos autos”, disse o relator.
De acordo com o processo, a vítima teria descrito o criminoso como um homem negro de aproximadamente 1,75 m de altura, aparentando entre 20 e 25 anos de idade. Após a reiteração do reconhecimento pessoal em juízo, o réu foi condenado à pena de seis anos e cinco meses de reclusão pelo crime, em regime inicial semiaberto.
No Habeas Corpus impetrado no STJ, a defesa alegou que o reconhecimento do suspeito em juízo foi realizado de maneira viciada, porque as pessoas que serviram de dublês tinham características físicas diferentes. A defesa também argumentou que a vítima teve dúvidas sobre a identidade do réu durante a audiência de instrução e julgamento.
Toledo lembrou que o STJ, após decidir que as regras de reconhecimento pessoal previstas no artigo 226 do CPP são obrigatórias para a validade do ato, avançou ainda mais no tema e estabeleceu que, mesmo o reconhecimento sendo feito dentro dos parâmetros legais, ele não tem força probatória absoluta e não pode resultar, por si só, na certeza de autoria delitiva (HC 712.781).
“Se realizado em desacordo com o artigo 226 do CPP, o ato é inválido e não pode ser usado nem mesmo de forma suplementar, mesmo para lastrear outras decisões, ainda que de menor rigor quanto ao padrão probatório exigido, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia e a pronúncia”, completou.
Citando outro precedente (HC 598.886), o relator lembrou que o STJ considerou o reconhecimento fotográfico ainda mais problemático quando realizado por simples exibição de imagens extraídas de álbuns policiais ou das redes sociais, previamente selecionadas pelos investigadores.
“Assim, o reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo”, afirmou o magistrado.
Foto na parede
No caso dos autos, Otávio de Almeida Toledo destacou que, conforme apontado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), no momento do reconhecimento do réu na etapa judicial, a vítima demonstrou hesitação, mas teria se justificado pela mudança no corte de cabelo do acusado e pelo decurso de mais de dois anos desde o crime.
Além disso, o relator comentou que o processo tem informações divergentes sobre a forma como se realizou o reconhecimento na fase policial (se por meio de álbum de suspeitos ou de uma foto do réu exibida sozinha na parede da delegacia).
“Evidente que a fotografia de um suspeito colada na parede de uma delegacia de polícia, além de não observar a obrigação de ladeamento a pessoas semelhantes contida no inciso II do artigo 226 (expressamente descumprido, conforme o auto de reconhecimento que consta nos autos), sugestiona o reconhecedor quanto à culpa”, declarou.
No caso do álbum de suspeitos, o desembargador convocado observou que, conforme entendimento do STJ no HC 724.929, o uso desse recurso deve levar em consideração os efeitos das variáveis que podem contaminar a memória humana — sendo o álbum “uma variável produzida pelo próprio sistema de Justiça”
Fonte: Conjur