O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro alterou, nesta segunda-feira (9/12), o enunciado da Súmula 70, que permitia a condenação do réu com base apenas em depoimentos de policiais. Aprovada pelo Órgão Especial do TJ-RJ em 2003, a Súmula 70 tinha a seguinte redação: “O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”.
Em ação proposta pela Defensoria Pública do Rio, o Órgão Especial, por 13 votos a 1, aprovou a proposta de enunciado apresentada pelo desembargador Luiz Zveiter, relator do caso. A Súmula 70, agora, tem a seguinte redação: “O fato de a prova oral se restringir a depoimento de autoridades policiais e seus agentes autoriza condenação quando coerentes com as provas dos autos e devidamente fundamentada na sentença”.
A Defensoria Pública do Rio pediu , em 2018, o cancelamento ou, subsidiariamente, a revisão da norma ao Centro de Estudos e Debates do TJ-RJ. O então defensor público-geral do Rio, André Luís Machado de Castro, citou a análise de 1.250 acórdãos publicados entre 2013 e 2016, feita pela Coordenação de Defesa Criminal do órgão. O estudo apontou que magistrados vinham interpretando a Súmula 70 no sentido de presumir a veracidade dos depoimentos de policiais.
O defensor público-geral destacou que a normativa não tinha sido seguida por outros tribunais de Justiça, e ressaltou que a jurisprudência do STF e do STJ considera que os depoimentos de policiais têm o mesmo valor probatório dos de outras testemunhas.
Da forma como vem sendo aplicada, disse Castro, a Súmula 70 “representa a completa subversão do sistema acusatório”, porque “desloca o ônus probatório para a defesa, eximindo a acusação de produzir a prova daquilo que verte na denúncia”.
Violação das garantias processuais
Em parecer enviado em abril de 2023 ao Centro de Estudos e Debates do TJ-RJ, o juiz Marcos Augusto Ramos Peixoto opinou pelo cancelamento da Súmula 70. Subsidiariamente, sugeriu a seguinte redação em substituição à atual: “Depoimentos de autoridades policiais e seus agentes autorizam a condenação desde que cotejados a outros meios de provas regularmente coligidos aos autos”.
A sugestão foi seguida na íntegra pelo desembargador Marcelo Castro Anátocles da Silva Ferreira, relator do caso. “A fundamentação de uma sentença condenatória unicamente com base no Enunciado 70 da Súmula deste Tribunal de Justiça viola as garantias processuais estabelecidas na Constituição Federal e apresenta-se como uma desigualdade entre as partes no processo penal, tendo em vista que, diante da supervalorização do depoimento policial, fica quase impossível contradizer o que foi alegado”, avaliou Ferreira.
O juiz Alberto Fraga também se manifestou pelo cancelamento do verbete, mas sugeriu outra redação em caso de sua manutenção: “Depoimentos de autoridades policiais e seus agentes autorizam a condenação desde que cotejados a outros meios de provas regularmente coligidos aos autos ou desde que demonstrada a impossibilidade de sua produção, ocasião em que se torna ainda mais necessária a detida análise dos depoimentos”.
Por outro lado, os juízes Alberto Salomão Júnior e Bruno Mazza opinaram pela manutenção da Súmula 70. Porém, eles destacaram que os depoimentos de policiais não são inquestionáveis, e que é preciso garantir aos réus o contraditório e a ampla defesa.
Fonte: Conjur / Sérgio Rodas