PROCESSO: CC 194.981-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção,por unanimidade, julgado em 24/5/2023.
TEMA: Conflito negativo de competência. Homicídio qualificado, consumado e tentado. Contrabando. Conexão instrumental. Delitos dolosos contra a vida praticados para assegurar a impunidade em crime contra a administração. Interesse federal específico. Competência do Tribunal do Júri Federal. Overruling da orientação firmada no CC 153.306/RS
INFORMAÇÕES DE INTEIRO TEOR: O conflito de competência decorre da divergência instaurada entre Juízo Federal e Juízo de Direito. O primeiro entendeu que somente seriam os homicídios julgados pela Justiça Federal se houvesse interesse federal específico quanto a eles, o qual entendeu inexistir no caso concreto, não sendo suficiente a sua conexão com o delito de contrabando. Para o segundo, a conexão com o crime federal (contrabando), bastava para fixar a competência da Justiça Federal e, por consequência, do Tribunal do Júri Federal. A existência da conexão instrumental entre os crimes de contrabando e os de homicídio qualificado, consumado e tentado que foram imputados na denúncia era incontroversa entre os Juízos suscitante e suscitado, tendo sido os crimes dolosos contra a vida praticados no mesmo contexto fático, para assegurar a vantagem ou a impunidade do crime de contrabando. Se o intento da prática dos homicídios era o de impedir o exercício do jus puniendi em relação ao crime de contrabando, ou seja, visavam embaraçar a persecutio in criminis que seria realizada na Justiça Federal, há o interesse federal na persecução, também, dos crimes dolosos contra a vida, pois cometidos para obstar ou dificultar o exercício de atribuições conferidas a órgãos federais. Além disso, a simples conexão ou continência com crime federal atrai a competência da Justiça Federal para o julgamento de todos os delitos, nos termos da Súmula 122/STJ, na qual não faz nenhuma exceção quando se trata de delito doloso contra a vida. O raciocínio que faz prevalecer a competência do Júri estadual sobre a competência da Justiça Federal parte de uma premissa equivocada, que é a de que a previsão constitucional da competência do Tribunal do Júri se refere apenas ao Júri estadual e, portanto, se sobreporia à competência da Justiça Federal. No entanto, o art. 5º, inciso XXXVIII, alínea d, da Constituição Federal, assegura a competência do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sem fazer distinção alguma entre o Tribunal do Júri Estadual e o Tribunal do Júri Federal. Este último é expressamente previsto no art. 4º do Decreto-Lei n. 253/1967, recepcionado pela Constituição Federal. Não é possível se determinar o julgamento do contrabando, crime federal, pelo Tribunal do Júri Estadual. A competência da Justiça Federal é absoluta e tem previsão constitucional, assim como a competência do Tribunal do Júri para os crimes dolosos contra a vida. Ainda que se entendesse que deveria o Tribunal do Júri Estadual julgar os homicídios, deveria haver o desmembramento dos autos, permanecendo, na Justiça Federal, o delito de contrabando, mas não se admite a remessa deste último para ser julgado pela Justiça estadual, ainda que pelo Tribunal do Júri nela instalado. Overruling da orientação firmada no CC n. 153.506/RS.
PROCESSO: AgRg no AREsp 2.223.319-MS, Rel. Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 9/5/2023, DJe 12/5/2023.
TEMA: Busca domiciliar. Ausência de mandado judicial Confissão informal. Ausência de qualquer registro em vídeo, áudio ou por escrito. Ausência de fundadas razões. Higidez das provas produzidas. Ônus da acusação.
INFORMAÇÕES DE INTEIRO TEOR: Cinge-se a controvérsia a determinar se a alegação de que houve prévia confissão informal do réu – desacompanhada de qualquer registro em vídeo, áudio ou por escrito – pode justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), a tese de que “A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados” (RE n. 603.616/RO, Plenário, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe de 8/10/2010). Esta Corte de Justiça, seguindo esse entendimento, vem decidindo no sentido de que o ingresso em domicílio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões, dando conta de contexto fático anterior, com lastro em circunstâncias objetivas, que indiquem possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. Entende-se que a confissão informal de autoria do tráfico de drogas, supostamente colhida por policiais durante a abordagem do réu, se desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio. A despeito de nos crimes permanentes o estado de flagrância se protrair no tempo, circunstância não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos e seguros de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se uma situação de flagrância. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior carecem de verossimilhança alegações de agentes policiais no sentido de que o réu, após ser abordado, confessa de maneira informal a prática do crime de tráfico (AgRg no AgRg no AREsp n. 1.973.713/AM, Sexta Turma, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, DJe de 27/6/2022). A comprovação da higidez da autorização de ingresso domiciliar, conferida de forma livre e voluntária pelo morador, é ônus da acusação e deve ser registrada em vídeo e áudio e, sempre que possível, por escrito. A ausência dessa formalidade torna a prática ilegal, bem como todas as provas derivadas dela.